The Grand Budapest Hotel – O auge do estético, e não só

Cultura do mês – Filme

No filme de 2014, a profundidade visual não é a única brilhantemente explorada. O enredo também está à altura. “The Grand Budapest Hotel” é mais uma prova do trabalho exímio do cineasta norte americano Wes Anderson. 


           A assinatura cinematográfica de Wes Anderson é tão única ao ponto de se tornar impossível de falsificar. O detalhe visto nos cenários, os objetos que o compõe e na construção das próprias personagens são os aspetos que enriquecem a tapeçaria de cores pastel que é o “The Grand Budapest Hotel”.

            A criatividade, ao contrário do que se possa pensar, é construída através do encaixe de vários elementos da nossa realidade que, por sua vez, e de acordo com a sua compatibilidade, geram algo novo. Portanto o nosso pensamento criativo é muito ditado por aquilo que nos influencia. Anderson não é exceção e também recebe influências. Admite, em várias entrevistas, que a infância, e os seus elementos, têm um papel significativo no seu processo criativo, através da cor e das histórias (que criamos quando somos crianças em forma de brincadeira). A tapeçaria de Anderson não é tecida só pela dimensão da infância, a influência de outros artistas, nomeadamente cineastas, também se encontram no seu trabalho.

            Para lá de toda a simetria chamativa que o cineasta nos apresenta, há toda uma obscenidade escondida ou suavizada, em relação ao guião e à forma como toda a história se desenrola. O filme “The Grand Budapest Hotel” desconstrói-se na forma de um livro e a divisão de capítulos que se relacionam entre si. Um hotel visualmente deslumbrante que nos apresenta centralmente as personagens de Monsieur Gustave (Ralph Fiennes) e Zero Moustafa (Tony Revolori) e toda a sua relação de companheirismo e aprendizagem.

            A história tem como ponto de partida uma rapariga dos tempos modernos que decide ler um livro que remete para o ano de 1985, quando um antigo escritor (Tom Wilkinson) relembra que visitara o hotel em 1968, com uma imagem completamente contrastante à do auge que atingiu nos anos 30. Foi nesta visita, que o escritor foi convidado para jantar com o dono do hotel, Zero Moustafa, pondo início à narrativa que remete aos espetadores o contexto do pós-guerra e a influência soviética, deparando-nos com a decadência do hotel ao longo dos anos.

            Localizado na República da Zubrowka, um estado que, apesar de fictício, não escapou à guerra, o hotel era gerido pelo concierge Gustave, que tinha Zero como um mensageiro e o seu próprio companheiro ao longo de todas as paródias de aventuras e perseguições. De facto, são as duas personagens que dão um certo brilhantismo ao filme, com um destaque meticuloso para a personagem do Monsieur Gustave. As características mais obscenas da personagem interpretada por Ralph Fiennes, nomeadamente o seu apreço por se envolver com mulheres mais velhas, é rapidamente suavizado por toda a dinâmica que o filme e a relação entre as duas personagens acarreta, mostrando seguir-se por princípios e valores rigorosos. Por outro lado, Zero mostra-se alguém aprazível a todas as tarefas que lhe são propostas, alimentando o companheirismo que existe e a admiração que tem pelo concierge. As duas personagens acabam por se salvar uma à outra em diferentes pontos da história, tornando o hotel, mesmo depois dos estragos provocados pela guerra e a sua progressiva decadência, um marco significativo na vida de Zero.

            Vamos por partes, primeiro a cor, juntamente com a simetria e da identidade visual de cada cenário e de cada personagem. Tendo várias dimensões, as cores foram utilizadas para identificar as linhas temporais do filme, tornando a sua organização mais eficaz. A fachada e o ambiente do hotel são rosa, a mansão da família de Dimitri a castanhos e a prisão para onde Gustave é enviado a cinza. Aos ambientes da história são atribuídas cores, mas também lentes de tamanhos e profundidades diferentes, que ajudam a transportar o espetador pelos diferentes anos no filme: do presente para 1985, para 1968 e para 1932. Curiosamente, as lentes usadas em cada um destes anos são do mesmo estilo usadas na época, ou seja, são refletidos estilos de gravação das décadas de 30, 60 e 80, levando o espetador a mais uma viagem pelo tempo.

            O filme “The Grand Budapest Hotel” consegue mostrar e manter pontos pesados, como a guerra e a morte num cenário completamente suave. É como dizer que, no meio da desgraça, o melhor remédio é rir. E a verdade é que é, e este filme traduz isso mesmo. Poderá mesmo dizer-se que Wes Anderson se apodera  de um humor negro ao longo do filme, mas que é rapidamente suavizado. O humor esconde a obscenidade das cenas e do contexto envolvente em que, através dos cenários e da excentricidade apresentada, torna um filme com características e cenas consideradas pesadas,  numa lufada de ar fresco acompanhada pelos cenários e pelos diálogos característicos das personagens.

            As personagens de Anderson seguem uma regra. Não há limites para o quão detalhada elas são. Não existem fronteiras para as características das personagens. Tome-se como exemplo, uma jovem refugiada alemã, com uma marca de nascença com o forma do México que lhe cobre toda a bochecha. A rapariga é escrava na cave imunda de uma prestigiada pastelaria nas periferias do Hotel Grand Budapest. Parece demasiado? Ou ridículo? A resposta poderia muita bem ser que sim, porém esta personagem existe, chama-se Agatha e é uma das protagonistas do filme.

            No entanto, há quem possa achar que sim, que de facto são demasiadas características, que iriam tornar a personagem confusa e complicada. Porém, não somos todos? Nós, complicados, confusos e em certa medida nos sentimos ridículos em algumas situações ou rotulamos alguém como tal? Não temos de nos sentir ofendidos, porque é isso que forma as nossas personalidades, a essência da humanidade que torna cada um de nós únicos. O mesmo mecanismo é aplicado às personagens de Wes, são tão caricatas porque são humanas. Vejamos Gustave, é o concierge do prestigiado Grand Hotel. É ótimo no que faz, gere toda uma equipa, mantém ordem no hotel, é respeitado, temido e admirado pelos seus subordinados, para além de ser uma personalidade querida em muitas das poderosas famílias que ficam hospedadas no seu estabelecimento. É um homem de princípios, e fiel aos mesmos. Mas envolve-se sexualmente com todas, ou a maioria, das mulheres louras, viúvas e idosas que pisam o Grand Budapest. Há um contraste entre doce e amargo em Gustave (e em todo o ambiente que envolve o filme). Encontramo-nos chocados quando o narrador descreve Gustave pela primeira vez. Conforme o filme decorre, reparamos que, na verdade, pouco sabemos o que há por de trás da cortina de ferro que é Gustave. Apenas nos é demonstrado, pelo narrador, que Gustave é uma pessoa muita vazia e triste. 

            Existem várias analogias minuciosas nas personagens. Olhemos agora para Zero. Começa como lobby boy, o emprego mais baixo e trabalhoso na hierarquia do hotel, e, conforme a vida passa, torna-se dono do Grand Budapest. Curioso o nome Zero. É um rapaz órfão refugiado. Descobre o amor e a amizade em Grand Budapest. Apesar de ser insignificante e não ter nada (tem zero), na verdade, tem tudo. Tem amigos, amor e uma nova casa. Zero e Agatha amam-se, Gustave é mais que seu patrão e mestre, é o seu melhor amigo, e a nova casa de Zero é o Grand Budapest. 

            Quando Zero se torna dono do hotel, o esplendor e prestígio do edifício luxuoso, semeado nas montanhas, vai diminuído consoante a idade de Zero aumenta. Quando o Grand Budapest passa para Zero, poderíamos dizer que o órfão refugiado tinha tudo, sendo agora um homem de negócios respeitado. Mas, mais tarde, Zero já não tem o amor da sua vida, nem o seu melhor amigo. O Grand Budapest já não é um lar, é apenas uma casa onde as suas paredes aprisionam o que foram os melhores anos da vida de Zero Moustafa, que agora não tem mesmo nada. Nada do que é realmente importante. O que fez assim o Grand Budapest ter o sucesso que teve nos anos 30? Amor. Era o amor que Gustave tinha pelo seu trabalho, pelos seus empregados, pelos seus hospedes, por tudo o que metesse o seu Grand Budapest ao barulho. Amor esse que Gustave deveria ter investido em si próprio, mas que a sua baixa autoestima o impediu. Como em “Howl´s Moving Castel” de Hayao Miyazaki, é Calister, o coração de Howl, que fazia o Castelo mover-se e mantinha a magia viva.

-Ana Paula Matias

-Tiago Góis