“Ser astronauta sempre foi um sonho desde pequenina”

Florbela Costa é uma ex-aluna da Universidade da Beira Interior (UBI), mestre em Engenharia Aeronáutica, e esteve recentemente envolvida na missão Mars2020 da NASA que enviou o robot Perserverance para Marte. Nesta missão desempenhou o cargo de  Gestora de Projetos Técnicos, no desenvolvimento de seis motores que controlam o “Swashplate” do helicóptero Ingenuity. Florbela vive atualmente na Suíça e, em entrevista ao +Academia, recorda a sua vida académica, a história de como entrou na UBI, se voltar à instituição está nos seus planos, e ainda como é ser uma mulher no mundo da ciência.


+Academia: Quando era criança, o que queria ser quando fosse grande?


Florbela Costa: Acho que ser astronauta sempre foi um sonho desde pequenina. Eu, como muitas crianças, sonhava com aviões e com o espaço. Sempre tive este fascínio pela aeronáutica.

Porque é que escolheu a UBI para estudar?

Eu escolhi a UBI porque era a única universidade que oferecia este curso todo no país. Porém, antes de entrar na UBI, eu tinha como ambição entrar na Força Aérea Portuguesa, na área da Engenharia Aeronáutica, e até realizei provas, quando estava no 12º ano, desde físicas a psicomotoras e passei todas. Contudo, só existiam duas vagas e, infelizmente, fiquei em quarto lugar dos colocados, mas estou muito feliz por ter entrado na UBI e ver as portas que isso me abriu.

Qual é a sua opinião ao ser formada numa universidade do interior do país, ao invés das famosas instituições do litoral?

Eu acho que a UBI, nos últimos anos, tem-se mostrado tão capaz como outras universidades. Mesmo sem o prestígio que as outras universidades têm, temos bons professores e excelentes profissionais a serem formados pela UBI. Por isso, é que gosto de dar estas entrevistas, para as pessoas entenderem o potencial da UBI.

Recorda-se com estima dos tempos académicos?

Sim, sem dúvida que foi dos melhores períodos da minha vida! Nós, em engenharia aeronáutica, éramos todos muito chegados, como se fosse família.  Nem éramos muitos, talvez uns 24 e cada um de sua parte do país, incluindo Açores e Madeira. Por ser uma cidade e universidade pequena, acho que existe mais este espírito de camaradagem e adorei mesmo os anos na universidade.

Há assim algum episódio mais marcante?

Ah…tantas histórias!  Eu lembro-me quando costumávamos ficar a estudar até tarde, uns oito ou dez num apartamento e dormíamos tão poucas horas antes de fazer os exames. Ou quando fomos ao concurso Mr. e Miss Aeronáutica e fomos de direta para as aulas para não faltar.

Num curso dominado por estudantes do género masculino, qual é a sensação de ser, talvez, a mais bem-sucedida?

Eu não diria que sou a mais bem-sucedida. De facto, tenho outros colegas que estudaram comigo e também se encontram aqui na Suíça a trabalhar em projetos aeronáuticos muitíssimo interessantes. Todos nós, que nos formámos nesta área, estamos muito bem.

Já pensou em voltar à UBI como docente?

Por acaso, nunca pensei nisso. Não diria que ponho essa hipótese de lado, porque acho que gostaria de mais tarde de ser professora e de partilhar os meus conhecimentos. Contudo, ainda não é a altura certa, ainda quero aprender e evoluir primeiro.

Acredita no potencial dos jovens que estudam na sua área, hoje em dia?

Sim, sem dúvida! Sabemos que agora, por causa da Covid-19 , a área aeronáutica está a sofrer com números muito baixos, mas tenho acredito que nos próximos anos vai voltar ao normal. Também existe a vertente do espaço que está a evoluir imenso e vejo, aqui no meu trabalho, a quantidade de oportunidades que aparecem e clientes interessados. De facto, existem até duas vertentes ligadas à área espacial, estes projetos de exploração espacial, como as emissões para Marte e para a Lua, que são projetos governamentais, sempre com muito envolvimento, mas também temos os projetos de pessoas individuais, que têm crescido muito nos últimos anos. Logo há um grande mercado, onde as pessoas têm muitas oportunidades.

Como é que foi a passagem do seu primeiro trabalho, na CeiiA em Portugal, para a Maxon Group na Suíça, um país completamente diferente?

Sim, é uma diferença bastante grande. No CeiiA já tinha sido preparada e já estava a trabalhar como gestora de projeto. Foi assim que fui integrada na Maxon, por isso, as minhas funções em si, eram muito semelhantes, mas obviamente, o produto em si era diferente. Enquanto no CeiiA eram estruturas aeronáuticas, no Maxon trabalho com motores elétricos. De facto, tive de aprender muito no meu primeiro ano na Suíça, mas acho que com dedicação é como em qualquer outro trabalho, é só preciso querer e empenharmo-nos que conseguimos lá chegar.

Está confiante que é possível o ser humano pisar Marte? Se sim, quando?

Sim. Quando não sei, mas acredito que vai ser muito em breve. Nós ainda vamos ver isso acontecer, espero eu, nos próximos anos ou décadas.

Há planos para enviar algum dispositivo similar ao helicóptero num futuro próximo?

Ainda não há planos. Este helicóptero é uma demonstração de tecnologia, ou seja, vai mostrar que é, assim espero, possível voar em Marte e se isso acontecer,  vamos ver mais dispositivos e de maiores dimensões a serem enviados para futuras missões com rovers e, quem sabe, com humanos.

Como mulher e cientista, como se sente ao fazer parte do projeto mais inclusivo da NASA até a data?

Eu fico muito contente ver isso acontecer e ter a oportunidade de participar nele. Desta forma é possível mostrar que, na Suíça e em Portugal, há esta integração de mulheres em posições importantes e que somos tão capazes como os homens. É muito bom ver que há empresas importantes, como a NASA, que valorizam isso para nos ajudar nesta caminhada de mostrar o verdadeiro valor das mulheres.

Qual o maior desafio durante o projeto?

Os desafios foram muitos, principalmente os técnicos. Os motores têm de aguentar imensas vibrações, choques, estar em vácuo durantes meses, têm de aguentar as temperaturas extremas de Marte, entre outras coisas, de modo a garantir que não vai falhar e que cumprimos com os requisitos do cliente.

Num projeto com esta dimensão, com reconhecimento a nível global, qual é a maior lição de vida que retira?

Todos estes projetos de Marte mostram que somos capazes, como humanos, de fazer muito. De facto, as missões espaciais envolvem muitos países, que trabalham juntos para alcançar um objetivo comum. No caso de Marte, isso pode até mesmo levar humanos a viver lá um dia. É visível a nossa união e juntos somos capazes de superar qualquer desafio.

  • Sofia Gonçalves
  • Pedro Cardoso