Pandemia põe a nu dificuldades dos lares. “É oportunidade de ouro para mudar”

A pandemia “pôs a nu” as dificuldades que já existiam nos lares e este é o momento de “replanear” o setor, “redefinindo prioridades e alterando o foco nos cuidados prestados aos que aí residem”, concluiu um estudo em participam investigadores da UBI, da Universidade do Porto e de Aveiro.

“Inquietados” com o que a pandemia poderia estar a causar nos lares, os investigadores “sentiram necessidade” de saber o impacto real “em quem ali reside e trabalha”, disse à Rádio Clube da Covilhã, Maria Miguel Barbosa, uma das investigadoras do projeto, sustentando que “esta é uma oportunidade de ouro para repensar o que são os cuidados à pessoa idosa e os modelos que regem esses cuidados”, disse.


Conta que para realizar o trabalho foram contactadas todas as ERPIS (Estruturas Residenciais para Pessoas Idosas) do continente e ilhas, envolvendo 784 profissionais.

“A sobrecarga dos profissionais e a falta de recursos detetados já existiam no setor” conclui, sendo que “a pandemia apenas os expôs”, refere.

Partindo da premissa de que funcionários e utentes “são pessoas e não números” propõem a alteração ao “modelo de cuidados tradicionais que ainda existe nas instituições e que se foca nos procedimentos”. “O foco deve estar nas pessoas, nas suas vontades e nos seus direitos”, defendem.

Das respostas recebidas nos inquéritos ficou explicita a sobrecarga de trabalho dos profissionais, com mais horas prestadas por turno devido à pandemia, sendo que “15% dos participantes afirmaram ter residido nas instituições temporariamente para protegerem os utentes”.

São motivos que levam o grupo de cientistas a considerar a crise pandémica uma “oportunidade única” para implementar Cuidados Centrados na Pessoa.

“Em vez de serem as pessoas idosas a adaptarem-se às instituições, devem ser as instituições a adaptar-se aos idosos e envolve-los nas decisões sobre os seus cuidados” avança Maria Miguel Barbosa, evidenciando aspetos tão simples como horários de refeições ou de dormir, que proporcionam autonomia a quem vive nas instituições.

“O diagnóstico está feito”, refere a responsável, frisando que agora o estudo vai evoluir precisamente para a fase da criação do modelo de Cuidados Centrados na Pessoa, tendo em conta sempre “a voz dos que estão no terreno, que lutam no dia-a-dia e que fazem muito com poucos recursos” afirma, concluindo que querem “perceber como é que isto pode ser alterado”.

Maria Miguel Barbosa, que participa no estudo enquanto aluna de doutoramento e que tem como orientadores Rosa Marina Afonso (UBI), Constança Paul Icbas (Universidade do Porto) e Javier Yanguas da espanhola Aubixa Fundazioa, afirma que esta proposta “não é utópica, está aplicada noutros países” e com este “estudo queremos perceber como adapta-la à nossa realidade”, frisa.

Alerta que aplicar um modelo focado na pessoa “não significa desfocalizar dos direitos e interesses dos profissionais e instituições, muito pelo contrário”. “Está provado que ao promover a autonomia de quem vive nas instituições, se promovem melhores condições de trabalho para os profissionais”, vinca.

Em breve o grupo vai de novo para o terreno, elaborando novos questionários, esperando ter o trabalho intitulado “Atenção Centrada na Pessoa na Prestação de Cuidados na Velhice: Abordagens e Instrumentos de Avaliação”, terminado em 2022.

O trabalho tem financiamento da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), através de uma bolsa de doutoramento atribuída à investigadora Maria Miguel Barbosa do CINTESIS/Universidade da Beira Interior (UBI).