Relatório do incêndio na Serra da Estrela confirma versão dos BVC. Manobra de helicóptero fez perder o controlo

A manobra feita por um helicóptero que recolhia uma equipa de bombeiros no local do fogo fez “perder o controlo” do incêndio que deflagrou em agosto de 2022 na Serra da Estrela, concluiu um dos relatórios ontem divulgado.

“O incêndio estava quase a ser resolvido quando a manobra de um helicóptero para recolha da sua tripulação provocou uma reativação do fogo, transpondo as chamas para a encosta contrária, causando um episódio de comportamento eruptivo que fez perder o controlo da situação”, refere o relatório do grupo de peritos convidado pelo Governo para fazer a avaliação dos grandes incêndios rurais de 2022.


O documento conclui que “é possível que esta manobra, para além de ter reavivado o fogo, tenha provocado focos secundários para a vertente oposta da encosta”.

O documento, publicado ontem na página da Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais (AGIF), acrescenta que a manobra do helicóptero deveria ter acontecido numa zona diferente, “mais afastada do perímetro do incêndio, sobretudo longe daquela zona que estava mal consolidada e com uma linha de água por perto”.

No relatório agora divulgado afirma-se que “admitindo que não foi possível evitar que o perímetro do incêndio chegasse tão próximo da linha de água, toda esta zona deveria ter sido sujeita a um esforço acrescido de consolidação uma vez que seria de esperar que a transposição da linha de água pelo fogo levaria a uma propagação violenta”, explica.

Os especialistas entendem, no entanto, que “o esforço extraordinário de consolidação que seria necessário para completar esta manobra não estaria ao alcance dos meios no local”.

Uma manobra que Luís Marques, comandante dos Bombeiros Voluntários da Covilhã, relatou na reunião da Assembleia Municipal da Covilhã, em setembro, afirmando que foi nessa altura que o fogo se dispersou e ganhou força.

“Os primeiros meios aéreos chegaram cerca das 09:10 da primeira manhã, dois aviões e um helicóptero. Os aviões foram colocados a atuar no flanco esquerdo e o “heli” no direito. O flanco esquerdo, embora mais longo, era uma área menos preocupante e, inicialmente, até quis colocar todos os meios aéreos no flanco direito, para o resolver mais rapidamente, porque tinha uma inclinação de mais de 50% e era muito difícil para as equipas em terra, mas os aviões não conseguiam aí fazer descargas em segurança, por ser muito fechado”, explica o comandante.

Descreve ainda que os meios “estavam a fazer um grande trabalho, juntamente com as equipas terrestres. As equipas helitransportadas, que vêm nos GIPS da GNR, ficaram no flanco direito, na parte superior para descer. Foram deixadas na sopé do Alto da Selada e desceram. O flanco direito, praticamente, ficou fechado e quando está quase fechado, um meio aéreo, ao tentar fazer o combate, baixa mais um pouco e faz uma volta, porque estava à procura da equipa para a retirar para a Guarda. Quando faz isso é gerada uma turbulência naquela zona que atira o incêndio para a outra encosta. Quando o fogo se desenvolve de baixo cima nesta encosta, acontece o que aconteceu à noite no ponto inicial. Ele estava estacionado e dispara quer para o flanco virado à ribeira da Vila do Carvalho, quer para o Alto da Cabeça do Mouro, para o Espinhaço de Cão, ganhando força. Já eram 11:30 da manhã e já havia todo o pré-aquecimento dos combustíveis, estava já muito calor e o incêndio progrediu com grande intensidade e sem condições para fazer o combate”.

Descreve ainda que “neste momento o incêndio alinhou com o vento, e quando íamos colocar todos os meios na cumeada, surge um novo foco de incêndio na estrada entre a Portela e o Teixoso, que começa com alguma intensidade” descreveu o também responsável pela proteção civil municipal em setembro de 2022, vincando “que se este fugisse iria convergir com o primeiro e tivemos que decidir. Enviámos os meios aéreos para controlar rapidamente este novo foco”, descreveu.

Segundo os peritos, o incêndio na Serra da Estrela lavrou entre 05 e 23 de agosto foi o sexto maior ocorrido em Portugal, desde que há registos.

Os 30 peritos salientam que “sem dúvida que esta foi uma ocorrência de difícil gestão, não apenas pela humidade muito baixa que os combustíveis apresentavam, como pela orografia desfavorável típica de uma região montanhosa, mas sobretudo pelo forte vento que se fazia sentir, sobretudo durante o período entre as 10:00 e as 20:00 de cada dia”.

O documento dá também conta que “a falta de acessos foi sem dúvida um fator determinante para que o incêndio tivesse tomado as proporções que tomou”, sobretudo nos três primeiros dias, o que obrigou a que as intervenções fossem feitas com ferramentas manuais, com menor eficiência do que o uso de veículos com água.

O relatório, que destaca como aspeto mais positivo desta ocorrência a ausência de vítimas mortais e de acidentes graves, indica ainda que o “esforço de combate era perdido assim que a água evaporava e se davam reativações ou o avivamento do fogo que antes tinha baixado de intensidade”.

Além do incêndio da Serra da Estrela, o relatório, coordenado pelo professor da Universidade do Porto José Manuel Mendonça, analisa os fogos de Murça e Vila Pouca de Aguiar (17-27 de julho), de Ourém, Ansião e Leiria (6-18 de julho) e de Albergaria-a-Velha (10-15 de julho).