“A Little Life” – desafiador, comovente, memorável

Cultura do Mês – Literatura

“A Little Life”, ou “Uma Vida Pequena” em português, é um romance ficcional da autoria de Hanya Yanagihara que nos mostra o que de mais importante a vida tem, o amor e a amizade que nutrimos pelos que nos são mais próximos, e até onde podemos ir na tentativa de os proteger. 


A obra conta a história de quatro amigos que se conheceram na faculdade de Massachusetts e se mudaram para Nova York, cidade na qual se desenrolam os acontecimentos. O grupo de amigos é constituído por Willem, um aspirante a ator sem ligação à família e que sofreu a perda do seu irmão mais velho, JB, um artista e pintor que sofre de problemas de dependência, Malcom, arquiteto, o mais rico dos quatro e que ainda vive com os pais e, por fim, Jude, a personagem central da história, com o passado mais conturbado e enigmático de todos, sendo incapaz de o revelar aos seus amigos e pessoas mais próximas, órfão e vítima de um acidente que lhe deixou sequelas para a vida. 

O passado dos quatro amigos é contado com recurso a analepses, pequenos saltos temporais que nos permitem conhecer um pouco mais acerca da vida das personagens e que possibilitam a correlação com o modo como agem, os caminhos por onde crescem e as dificuldades que vivem enquanto adultos. 

O modo como a história de Jude é retratada causa no leitor um sentimento de impotência e a ideia de que estamos a invadir o espaço íntimo de alguém, um sítio onde não deveríamos estar, uma barreira que não deveríamos transpor. Somos levados a conhecer as dificuldades que a personagem enfrenta na luta contra o seu passado, as marcas e os pensamentos invasivos que lhe deixou, assim como a força de vontade que Jude tem para lutar contra a sua incapacidade física e de se apresentar perante os outros como alguém “normal”, que não precisa de auxílio nem preocupação.

Somos ainda introduzidos ao mundo das histórias que a personagem repete a si própria, aquilo em que ele se leva a acreditar, os pensamentos que moldam a maneira como se apresenta ao mundo, a máscara que utiliza e os muros que constrói para manter as pessoas do lado de fora, um trabalho que é o esforço de uma vida. Vemos também as suas pequenas tentativas de baixar estes muros e de deixar cair a máscara, de se mostrar como é ao mundo e às pessoas que o rodeiam, de revelar o seu passado e as suas mágoas, para de seguida assistirmos à forma como a vida injustamente, e vezes sem conta, lhe tira estas vitórias e o leva de volta para a estaca zero, de novo com a sensação de que ser feliz e amado não é algo a que tem direito e que de cada vez o deixa com menos forças para continuar.

É uma história pesada, pois retrata a vida e as relações de amizade e amor de forma crua e real, ao mesmo tempo que aborda temas como a dependência às drogas, a relação com o luto, a falta de autoestima, relações abusivas, violações e autoflagelação. Acima de tudo, mostra-nos que cada pessoa é um mundo à parte, e que mesmo nas nossas tentativas mais desesperadas e mais bem-intencionadas de ajudar e conhecer o outro, há barreiras que são impossíveis de transpor, mas que isso não nos deve demover de tentar. 

-Eva Lopes