A cumprir a segunda época ao serviço do Sporting da Covilhã, Filipe Cardoso tem uma característica incomum no cenário do futebol português. Aos 26 anos, o médio natural de Canidelo, Vila Nova de Gaia, é formado em Medicina – profissão que colocou de parte, para se dedicar a tempo inteiro à sua grande paixão: o futebol.
O +Academia, jornal online da Universidade da Beira Interior, esteve à conversa com o jogador, para perceber as motivações de quem não descura os estudos, apesar da profissão de futebolista.
Em 2019, o emblema serrano abriu-lhe as portas da profissionalização no “desporto rei”. Após a primeira temporada, onde realizou apenas 15 jogos, este ano afirmou-se como peça-chave no meio campo covilhanense. Quis o destino, que anos depois, voltasse a encontrar um treinador muito especial para si, José Bizarro, que o comandou no SC Coimbrões.
Filipe Cardoso estava a terminar o mestrado em medicina, quando recebeu a oferta do Sporting da Covilhã. “O timing foi o ideal”, assume Filipe, confessando também que foi “a primeira proposta concreta a nível profissional”. O primeiro ano na “Cidade Neve” foi de adaptação ao segundo escalão mais elevado do futebol português.
“Quando entrei para o futebol profissional, foi opção minha focar-me mais no futebol durante os próximos anos. O futebol é curto e acaba rápido. Mas é necessário ter um plano B”, afirmou o camisola seis dos Leões da Serra. No seu caso, essa alternativa é a medicina, que classifica ser “em teoria mais importante”, pela incerteza do futebol.
De momento, não está a exercer nenhum cargo relacionado com a área hospitalar. “É difícil conciliar as duas coisas, principalmente a nível hospitalar. Porque também passa pelas manhãs. E tendo as manhãs todas ocupadas é difícil”, justifica.
Atualmente está a frequentar uma pós-graduação em Medicina Desportiva na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, lecionada em formato online. Após um hiato nos estudos, Filipe “quis continuar um bocadinho a aprendizagem”. Considera ser “algo que está a precaver o futuro” e que pretende continuar ligado ao mundo do futebol, após colocar um ponto final na carreira de jogador.
Esta forma de estar é algo que veio da educação que recebeu em casa. “Para mim foi sempre incutido pela minha família que, se eu quisesse ter uma vida estável, era importante nunca largar os estudos, e foi sempre algo que tive em mente”, reitera. “Na minha perspetiva é importante, porque as pessoas têm mais conhecimento, (…) mas mais importante que os estudos, é ter um plano futuro estruturado”.
Sobre a altura em que dividia o tempo entre o SC Coimbrões, que militava no Campeonato de Portugal, e os estudos de medicina, revela: “nunca me foquei a cem porcento no futebol”. Viver somente do futebol era impossível, dado que não o praticava a nível profissional, como explicita Filipe: “Ganhava algum dinheiro, mas não me permitia viver”.
O SC Coimbrões foi o emblema que Filipe Cardoso representou durante mais tempo, realizando grande parte da sua formação futebolística, e onde também se estreou como sénior. “Comecei a minha formação no clube que era mais perto de casa, o Coimbrões”, que o próprio considera ser dos que forma melhor na região de Gaia. A sua estadia na equipa gaiense foi interrompida por uma passagem pelo Boavista FC. “Optei porque é um histórico do futebol português”, justifica Filipe.
Essa escolha despoletou mudanças na vida do jovem. Para o gaiense, “a grande diferença foi a nível da intensidade de jogo”, sendo que o Boavista FC disputava o Campeonato Nacional. A saída do Boavista FC deu-se um ano antes de completar o período de formação, e a sua saída deveu-se a incompatibilidades com o projeto desenhado pela direção do emblema portuense. O regresso ao SC Coimbrões deu-se “já com a perspetiva de sénior, porque o Coimbrões estava no Campeonato Nacional de Seniores (CNS), e entrar no primeiro ano no CNS era muito bom”.
Em junho de 2019, trocou Vila Nova de Gaia pela Covilhã. Filipe realça as diferenças entre os dois locais: “a grande diferença é a confusão que existe em Gaia, e principalmente no Porto. A Covilhã é uma cidade mais pacata”. Filipe aprecia o ambiente da cidade, classificando-o como “um bocadinho mais familiar, onde toda a gente se dá bem”.
Acerca do seu futuro, o atleta de 26 anos considera estar “bem por aqui (Covilhã)”, mas como qualquer jogador de futebol, ambiciona “chegar ao patamar mais alto, que é a Primeira Liga”. Se não houvesse a proposta do Sporting da Covilhã há cerca de dois anos atrás, o seu foco seria “muito provavelmente a medicina”. ”Ia começar a trabalhar a partir de janeiro de 2020 como médico, e deixar um pouco do foco do futebol para trás”, assume o médio do emblema serrano.
Em jeito de conclusão, Filipe Cardoso deixa um apelo aos jovens:
“A grande mensagem que quero deixar é: não desistam dos vossos sonhos, porque é possível conciliar tudo, apesar de não ser fácil. E quando se tem dois objetivos claros do que se pretende fazer na vida, que no meu caso eram a medicina e futebol, temos de lutar por eles. Com muita organização, espírito de sacrifício, e muita luta, de certeza que conseguem atingir tudo aquilo que quiserem”.
Pergunta-resposta:
+Academia: Qual o treinador mais marcante?
Filipe Cardoso: José Bizarro.
+A: Qual o professor mais marcante?
FC: Professor Águas, de Anatomia.
+A: O melhor jogador com quem partilhou balneário?
FC: Adriano Castanheira no futebol profissional e Bruno Fernandes, quando jogava Na formação do Boavista.
+A: Qual o jogador que mais o inspira?
FC: Agora já nem tanto, mas no seu auge, Nemanja Matic.
+A: Qual o seu melhor jogo na carreira?
FC: Frente ao Leixões este ano, apesar de ter falhado um penálti.
+A: Vila Nova de Gaia ou Covilhã?
FC: Vila Nova de Gaia, claro.
+A: Se pudesse optar por apenas uma das seguintes, seria medicina ou futebol?
FC: Futebol, que foi sempre o meu sonho.
-Diogo Mimoso Ferreira